Eu
não conheci o Doutor Sócrates, jamais estive com ele. Mas o Magrão significa
muito para mim. Não só porque vestiu, ainda que por pouco tempo, a gloriosa
camisa do alvinegro Belmiro (e eu o vi desfilando em campo com o manto
sagrado, contra o Corinthians inclusive, no Pacaembu, e também contra a
Portuguesa, quando marcou um gol de pênalti).
O
Doutor foi o capitão do melhor time de futebol que já vi jogar, a Seleção
Brasileira de 1982, do mestre Telê Santana. Ali não tinha bicão para a
arquibancada, não tinha carrinho, não tinha cotovelada, não tinha furada. Eram
só toques refinados, dribles geniais, passes milimétricos, tabelinhas precisas,
bola sempre para frente, em busca dos gols. Perdemos para a Itália porque
continuamos a atacar, a praticar futebol-arte, quando o empate já garantia a
classificação. Caramba, perdemos coisa nenhuma, quem perdeu foi o futebol, que
não viu aquela Seleção campeã do mundo, que não viu o Doutor erguer a taça, que
não viu as amarelinhas dando a volta olímpica. Como eu chorei naquela tarde de
05 de julho de 1982. Foi a minha maior dor futebolística. Mais doída que
qualquer outra derrota do Santos. Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho e
Junior; Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico; Serginho e Éder. Tenho a escalação na
ponta da língua. Ali, o futebol começou a ficar mais tático, menos artístico;
tornou-se mais força, menos criatividade.
O
Doutor não sabe, nunca soube, mas foi sujeito fundamental também para minha
formação política, quando foi protagonista da campanha pelas Diretas Já. Também
vesti amarelo, acompanhei os comícios, bati panelas nas ruas, participei dos
buzinaços. No inesquecível comício do Anhangabaú, com mais de um milhão de
pessoas, Sócrates (com o Casão ao lado) gritou: "Se a emenda Dante de Oliveira
passar na Câmara, eu não vou embora do meu país. Viva a liberdade do povo
brasileiro". Foi bonita a festa, pá! Foi linda. Chorei agora pela
manhã, ao rever as imagens do comício. Chorei também naquela
madrugada de abril de 1984, junto com minha mãe, quando a emenda foi derrotada.
Ouvimos pelo rádio. As emissoras de TV tinham sido censuradas.
A
Seleção de 82 e as Diretas Já são símbolos da minha geração. E Sócrates é uma
espécie de síntese, de figura representativa dos dois momentos. Paz e sossego,
Doutor Sócrates. Nossas lembranças guardarão para sempre os calcanhares geniais,
a elegância desfilada em campo, a inteligência e o carinho no trato com a
redonda, o olhar altivo e sereno, as lutas por democracia, a consciência
política, a preocupação com a realidade social brasileira. Meu futebol e minha
política ficaram hoje um pouco mais chatos.
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